quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

DISCRIMINAÇÃO NACIONAL

Carlos Henrique Ferreira Melo (*)

A revista Veja, edição 2.141, de 2 de dezembro de 2009, publicou um artigo muito elogiado, inclusive por policiais, sob o título "sem medo da verdade", uma excelente matéria que demonstra a realidade sobre o que pensa a sociedade a respeito dos policiais militares e toda a carga de discriminação e preconceito por que passam.
No subtítulo "No rumo correto", buscando ressaltar a capacidade profissional de um oficial da Polícia Militar de Minas Gerais, consta a seguinte frase:
"Não fosse pela farda, o comandante da Polícia Militar de Minas Gerais, coronel Renato de Souza, 46 anos, em nada lembra um policial, gestos suaves, vocabulário preciso, ele parece mais um acadêmico. É quase isso.
Presença constante em seminários e congressos sobre segurança pública, Souza tem um currículo de tipo ainda incomum no Brasil, mas que começa a ser usual nas melhores polícias do mundo..."
Da análise do referido comentário, no mínimo, depreende-se que para o editor os policiais militares são semi-incultos, violentos e arbitrários, sendo incomum e raro que os profissionais de segurança pública possam ser educados e cultos.
Tal comentário, correspondente ao estereótipo existente no imaginário popular, inserido em uma publicação formadora de opinião representa uma demonstração explícita de preconceito e discriminação, que necessita de reparo imediato. Assim, na condição de policial militar, não me permito o silêncio sem promover os esclarecimentos que o caso requer.
O desconhecimento público do processo educacional dos policiais militares no Brasil, não raro, gera comentários dessa natureza, alimentados voluntária ou involuntariamente pela mídia. Em verdade, para nós, policiais militares, não se constitui novidade, em reuniões de trabalho, apresentações, encontros, seminários, ou até mesmo no convívio social ouvirmos elogios do tipo: "Você é muito educado, competente e inteligente. Nem parece policial!" Elogio ou ofensa?
Para ser um policial militar é necessário passar num dos concursos mais concorridos no país, em qualquer unidade da federação, constituído de exames intelectuais, psicológicos, médicos e físicos, para depois cursar, no mínimo, dez meses para ser soldado e três anos para ser oficial.
Os cursos oferecidos pelas Academias das Polícias Militares são considerados de nível superior, tanto que o exame para admissão é equivalente ao do vestibular, e após a conclusão do curso, o oficial, com o seu diploma reconhecido pelo MEC, pode matricular-se como aluno especial nas universidades públicas e privadas.
Cumpre ressaltar que ao ingressar na PM mais da metade dos aprovados, tanto nos cursos de formação de oficias como nos de soldados, já possuem nível superior ou estão em curso. Na Bahia, por exemplo, mais de 70% dos alunos do Curso de Formação de Oficiais possuem nível superior.
O processo de busca de conhecimento dos policiais não para por aí. Para terem acesso aos postos e graduações que constituem a hierarquia da Corporação, internamente são exigidos dois cursos de especialização "lato sensu" para os oficiais e um para os praças, em sua grande maioria efetivados em convênio com as universidades.
Bastaria uma pesquisa rápida, no próprio estado de Minas Gerais e nas outras unidades da federação, para que o nobre jornalista pudesse perceber que o currículo do Sr. Cel PM Renato Souza não é de um tipo tão incomum no Brasil.
Certamente, em todos os postos e graduações, do norte ao sul do Brasil, existem muitos homens e mulheres com o perfil pessoal e profissional do Cel. Renato, mas sem a visibilidade que o exercício do cargo de Comandante-Geral proporciona, pois, via de regra, os critérios usados pelos Chefes do Executivo para escolha dos que ocupam os cargos públicos do alto escalão governamental, em todas as áreas, inclusive na segurança pública, passam bem longe da competência profissional.
Se o nobre jornalista quiser prestar uma valiosa colaboração à segurança pública deste país, sugiro-lhe que seja mais cuidadoso com suas palavras e se quiser criticar, que o faça, velada ou explicitamente, aos "Donos do Poder", pois a eles cabem as críticas e a responsabilização pelas escolhas que fogem de tal padrão.

*Autor: Major da Polícia Militar da Bahia, comandante da 39ª CIPM, especializado “lato sensu” em Gestão Estratégica em Segurança Pública (CEGESP-UFBA), em Defesa Social e Cidadania – UFPA e professor da Academia de Polícia Militar do Estado e da UNEB.

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