Decisão: Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar, ajuizada pela FEDERAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES DE OFICIAIS MILITARES ESTADUAIS – FENEME em face de expressões contidas nos artigos 1º; 2º, caput e incisos I e IX; 3º, § 4º; 5º, IV; 15; 36; 37; 40; 42, VI; 52; 61, VIII; 64; 70; 70-A; 73; 84, II e III; 87; 94, §§ 1º, 2º e 3º, todos da Lei Complementar nº 39/2002 do Estado do Pará, as quais dizem respeito ao regime de previdência dos militares estaduais.
Na inicial eletrônica, a autora afirma que:
a) é entidade de classe de âmbito nacional que congrega associados em mais de 21 Estados da Federação e, tendo por escopo o exercício da representação judicial e extrajudicial das Entidades de Oficiais Militares Estaduais, amolda-se ao conceito sagrado no art. 103, inciso IX, da Constituição Federal;
b) as expressões impugnadas violam os arts. 40, § 20, in fine; 42, § 1º e 142, § 3º, inciso X, da Carta Magna;
c) o pedido “diz respeito ao regime de previdência aos militares estaduais do Estado do Pará que, pela Lei Complementar nº 039/2002, foi incluído no Regime Geral dos Servidores do Estado, sendo certo que a sua passagem para a inatividade em muito difere da aposentadoria dos civis”;
d) a Constituição Federal, no art. 142, § 3º, inciso X, estabelece a necessidade de legislação específica para a regulação da forma de inatividade dos militares (e outros aspectos especiais de sua condição), situação não verificada no caso, já que as normas em debate tratam de matérias estranhas ao âmbito funcional da categoria, pois estabelece o regime geral dos servidores do Estado.
Aplicado o rito do art. 12 da Lei nº 9.868/99, a Assembleia Legislativa do Estado do Pará manifestou-se pela improcedência da ação, ressaltando que o ato normativo teve por objetivo adequar o regime estadual de previdência aos ditames constitucionais alterados pela Emenda Constitucional nº 20/98, tanto quanto à Lei nº 9.717/98.
O Governador do Estado manteve-se silente.
Em seguida, o Estado do Pará requereu seu ingresso no feito como amicus curiae (Petição nº 73571/2010).
O Advogado-Geral da União manifestou-se, em preliminar, pela ausência de legitimidade ativa da requerente, já que representaria mero seguimento da categoria funcional dos policiais militares e, no mérito, pela procedência do pedido.
Veio a autora, em expediente autônomo, reafirmar sua aptidão para a propositura de ação em controle concentrado.
O Procurador-Geral da República opinou pelo afastamento da referida preliminar e, quanto à matéria de fundo, pelo reconhecimento da incompatibilidade das expressões questionadas com a Carta Federal.
É o relatório.
Decido.
A Constituição de 1988, nos termos do art. 103, IX, reconheceu legitimidade ativa às entidades de classe de âmbito nacional para a propositura de ações de controle concentrado de constitucionalidade.
Segundo a jurisprudência da Corte, figuram como requisitos qualificativos de tais entidades, para fins de acesso ao controle abstrato de normas, (i) a delimitação subjetiva da associação, que deve representar categoria delimitada ou delimitável de pessoas físicas ou jurídicas, sendo vedada a heterogeneidade de composição (ADI nº 4.230/RJ-AgR, de minha relatoria); (ii) o caráter nacional, configurada com a comprovação da presença de associados em ao menos nove Estados da Federação ( ADI nº 108/DF-QO, Ministro Celso de Mello, DJ de 5/6/92); e (iii) a vinculação temática entre os objetivos institucionais da postulante e a norma objeto de sindicância.
Além dessas condicionantes, foi alçada ainda outra, de caráter mais concreto, caracterizada pela suficiência ou não de representatividade da associação postulante, em razão da maior ou menor abrangência do ato questionado, a refletir o interesse de toda ou parte da categoria. Com efeito, a jurisprudência da Corte não tem admitido a legitimidade ativa de associação que representa apenas fração ou parcela da categoria profissional, quando o ato impugnado repercute sobre a esfera jurídica de toda uma classe.
Nessas hipóteses de carência de representatividade, quando a associação requerente, em nome de parcela da categoria, pleiteia a declaração de inconstitucionalidade de ato normativo que diz respeito a toda a coletividade da classe, tem-se posicionado o Supremo Tribunal no sentido da ausência legitimidade ativa. Vide:
“EMENTA: LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. Ativa. Ação direta de inconstitucionalidade – ADI. Ação proposta pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – ANAMAGES. Impugnação de norma concernente a toda a magistratura. Legitimação não caracterizada. Entidade classista de âmbito nacional, mas de representação parcial da categoria profissional. Não representatividade em, pelo menos, 9 (nove) estados da federação, nem de todos os membros do Poder Judiciário nacional. Inteligência do art. 103, IX, cc. art. 102, § 2º, da CF. Inicial indeferida. Agravo regimental improvido. Precedentes. Carece de legitimação para propor ação direta de inconstitucionalidade, a entidade de classe que, embora de âmbito estatutário nacional, não tenha representação em, pelo menos, nove estados da federação, nem represente toda a categorial profissional, cujos interesses pretenda tutelar. (ADI 3.617/DF-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de 01/07/11).
“Ação direta de inconstitucionalidade – Legitimidade ativa ad causam – CF/1988, art. 103 – Rol taxativo – Entidade de classe – Representação institucional de mera fração de determinada categoria funcional – Descaracterização da autora como entidade de classe – Ação direta não conhecida. (...) A Constituição da República, ao disciplinar o tema concernente a quem pode ativar, mediante ação direta, a jurisdição constitucional concentrada do STF, ampliou, significativamente, o rol – sempre taxativo – dos que dispõem da titularidade de agir em sede de controle normativo abstrato. Não se qualificam como entidades de classe, para fins de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, aquelas que são constituídas por mera fração de determinada categoria funcional. Precedentes.” (ADI 1.875-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 12/12/08.)
“Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais não se compreende no âmbito do art. 103, IX, 2ª parte, da CF, por ser um subgrupo dentro do grupo representado pela ANOREG – Associação dos Notários e Registradores do Brasil. Assim, falta-lhe legitimidade para a propositura da presente ação.” (ADI 1.788, Redator para o Acórdão Min. Nelson Jobim, DJ de 17/3/06.)
Como ressaltado pelo eminente Ministro Cezar Peluso, em decisão monocrática na ADI 3.617/PA:
“Se o ato normativo impugnado mediante ação direta de inconstitucionalidade repercute sobre a esfera jurídica de toda uma classe, não é legítimo permitir-se que associação representativa de apenas uma parte dos membros dessa mesma classe impugne a norma, pela via abstrata da ação direta. Afinal, eventual procedência desta produzirá efeitos erga omnes (art. 102, § 2º, da CF), ou seja, atingirá indistintamente todos os sujeitos compreendidos no âmbito ou universo subjetivo de validade da norma declarada inconstitucional.
(...)
Não se pode, portanto, reconhecer à associação autora o requisito da ampla representatividade do conjunto de todas as pessoas às quais a norma atacada se aplica, nem, por conseguinte, sua legitimação ativa extraordinária para a demanda.” (DJ de 9/12/05).
No caso ora em apreciação, a Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais, como nominalmente se apresenta, representa somente fração da categoria funcional dos policiais militares, quais sejam os oficiais, a teor do art. 3º, IV, do seu estatuto social:
“Art. 3º. A FENEME tem como objetivos fundamentais:
(…)
II – exercer a representação e promover as ações judiciais e extrajudiciais em defesa das garantias, prerrogativas, direitos e interesses, diretos e indiretos, das Instituições Militares Estaduais e dos Oficiais integrantes delas (…).”
Por sua vez, a categoria funcional dos policiais militares, nos termos do art. 8º do Decreto-lei nº 667/69, é composta de oficiais e de praças militares.
É bem verdade que a entidade autora, em seu estatuto (art. 1º, § 3º), admite a filiação de entidades estaduais que tiverem em seus quadros oficiais e praças, desde que presididas por oficiais. Contudo, sua atuação em juízo restringe-se a defender os interesses dos oficiais integrantes das instituições militares estaduais, conforme expressamente destacado em suas finalidades institucionais.
Desse modo, na linha já declinada, entidade que representa em juízo apenas os interesses dos oficiais militares não poderia validamente impugnar norma estadual que dispõe sobre o regime de previdência de todos os servidores militares do Estado do Paraná, por não possuir o requisito da ampla representatividade do conjunto de todas as pessoas às quais a norma atacada se aplica.
Ante o exposto, em face da ausência de legitimidade ativa da entidade ora requerente, nego seguimento à presente ação direta de inconstitucionalidade (art. 21, § 1º, RISTF), restando prejudicado o pedido de ingresso no feito do Estado do Pará na condição de amicus curiae.
Publique-se. Intime-se.
Brasília, 1º de setembro de 2011.
Ministro Dias Toffoli
Relator
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